Quem me conhece sabe que um dos meus maiores hobbies é ir ao cinema, bem ao lado de ler e de escrever. E já há
alguns anos que tenho uma espécie de ritual pré-óscares que envolve uma
maratona de cinema a tempo de ver todos os filmes nomeados para as principais
categorias. Este ano a tarefa é mais fácil (está tudo mais concentrado), mas
como já levo um bom avanço, aproveito para vos dar algumas dicas caso tenham
que fazer uma selecção e não consigam ver todos. Começamos pelos que não podem perder! Prometo não fazer aquilo que os amantes de
cinema mais odeiam: spoiler! Que é como quem diz, aqui não vão saber
pormenores a mais. Palavra de Marta!
“Tinha os olhos cinza, incolores, mas dominantes como a luz ou o fogo
(...). A mulher também olhava para Therese (…). Então viu-a avançar lentamente
até o balcão, e o seu coração deu um salto (…). Sentiu que o rosto lhe ardia Ã
medida que a mulher se aproximava cada vez mais”, escreveu Patricia Highsmith
em Carol, na altura com o pseudónimo de Clair Morgan.
Um amor proibido. Quantas histórias de amor não começaram assim? Em Carol, duas mulheres, de idades diferentes apaixonam-se numa época em
que o amor gay ainda era visto como um problema psicológico. A história, apesar
de intensa é contada de uma forma contida. Alguém ao pé de mim na sala de
cinema falava que era demasiado “limpinho”. O que essa pessoa não percebeu no
filme, na minha opinião, foi que este não é um filme erótico. Esta é uma
história de amor e de poesia; onde os olhares trocados, de tão
intensos que são, quase que nos tocam; mas onde a contenção e a subtileza
precisam de existir, quase como uma metáfora sobre a dificuldade que a sociedade
tem em ver para além dos padrões e dos estereótipos.
Neste filme não há pressa, nem extravagância; há amor, há encontro, há tempo para que a paixão nasça e para que nela surja aquela pressa que os apaixonados têm de saber, de se ver e de se tocar, quando tudo está à flor da pele mesmo que ninguém possa saber.Tudo isto, numa beleza
melodicamente guiada por uma banda sonora que respeita os momentos e as pausas, composta por um jazz dos anos 50 que tem uma das minhas músicas favoritas de sempre na playlist: “You belong to me” que na versão original é de Helen Foster & The Rovers.
Aliás, este lado em que as personagens precisam de controlar o que sentem é
uma das caracterÃsticas-chave do filme. A inocência de Therese (Rooney Mara) e
o brilho curioso dos seus olhos, ao lado de uma altivez perturbada de Carol (Cate
Blanchet); um amor poético onde as entrelinhas emocionam. Dos detalhes da
roupa, passando pelos penteados, maquilhagem ou mobÃlia, tudo está emoldurado num quadro em movimento com uma
fotografia perfeita.
Fica a questão: Vale mesmo a pena lutar contra aquilo que somos,? Aguentar e ser diferente quando depois não
podemos ser quem somos por inteiro?
Outra coisa que depois faço sempre? Perceber as curiosidades dos filmes e neste caso, aproveito para vos contar que PatrÃcia Highsmith, a autora do livro, escreveu este romance
em 1952, “The Price of Salt”, sob o pseudónimo Clair Morgan, baseando-se num
acontecimento real seu. A história foi publicada numa altura em que não terá
certamente sido fácil, pelo que representou também uma esperança. Já a argumentista,
demorou onze anos a levar o filme para a frente. Porquê? Porque os nossos
projetos devem ser estimados, e nem sempre têm que avançar rápido para acontecer. Às vezes, é preciso
que seja o momento certo e o seu tempo. Este filme encontrou agora a equipa, as
pessoas, e a liberdade para ser apreciado; e acredito que merece todos os
elogios que já lhe foram feitos e o lugar que vai ocupar no coração de tanta
gente.